Vamos falar sobre burnout

Vamos falar sobre burnout

Nos tempos atuais, é praticamente impossível encontrar alguém no nosso círculo de relacionamentos que não tenha ouvido falar sobre a síndrome de burnout. E até certo ponto, isso é muito bom: é um sinal de que a saúde mental, cada vez mais, vai deixando o estigma de ser considerada frescura, coisa de rico, ou qualquer que seja o preconceito com relação ao tema que você está acostumado a escutar/dizer. Existe muita informação sobre o tema e também muita desinformação. Por conta disso, a ideia deste post é jogar um pouco de luz sobre esse tema.

Besteiras Mitos sobre a síndrome de burnout

Sim, tem muita besteira escrita sobre a síndrome de burnout por aí, algumas, se não a maioria, vão ao encontro do que foi falado logo acima. Outras simplesmente vêm do senso comum, seja pela definição da síndrome (ou pela sua demora), ou porque parece fazer sentido, mas na prática, não é bem assim.

O que realmente me motivou a escrever foi um comentário que eu vi no LinkedIn em algum outro post sobre fatores de proteção e evitação do burnout. O comentário, curiosamente de um profissional da saúde, dizia: “Meus boletos e contas para pagar são meu fator de proteção. Não posso me dar ao luxo de ter burnout”. Claro, todo mundo sabe que a síndrome de burnout é um luxo, um privilégio de poucos afortunados. Tanto que só 32% dos casos de estresse ocupacional entre 2012 e 2022 no Brasil estiveram relacionados ao burnout (Queiroz, Rocha, Capelario, Silveira, & Santos, 2023), sendo que a doença só foi incluída pela Organização Mundial da Saúde na Classificação Internacional de Doenças (CID) em 2022 (Tarantino, 2022). É importante ressaltar que a síndrome de Burnout ainda não aparece descrita no DSM. Ou seja, tem MUITA gente que passou pelo burnout, mas nunca soube, nunca foi diagnosticado e temos muita subnotificação sobre o tema.

Burnout é coisa de gente fresca, olha aqui eu tratando meus problemas super bem…

Outro mito relacionado ao burnout, assim como a vários outros transtornos mentais, é que é hype, coisa do momento, modinha, só mais uma coisa nova que inventaram para matar trabalho. Mas, na verdade, o burnout foi descrito pela primeira vez por Herbert J. Freudenberger com uma possível conceitualização de enfermidade na década de 1970 (Fontes, 2020). Então, não, o burnout não vem de hoje.

É comum também as pessoas acharem que qualquer tipo de estresse laboral é burnout, ou ainda, que qualquer tipo de estresse na vida da pessoa é burnout. É claro que o burnout vai extrapolar a vida laboral e gerar uma série de inconvenientes na vida pessoal do indivíduo (dificuldades para dormir, despersonalização, etc), mas o burnout tem sua origem em um ambiente de trabalho merda insalubre ou tóxico. Então se você nunca passou por isso, agradeça por ter um ambiente de trabalho bom, em vez de criticar a outra pessoa que você conhece (ou não) e passa por isso.

Critérios diagnósticos e sintomatologia

Não é porque eu estou escrevendo alguma coisa, que significa que seja verdade. Então, vamos olhar o que a Organização Mundial da Saúde fala sobre a síndrome de burnout:

Traduzindo o que a OMS diz para o português (ou pelo menos uma parte), “O Burnout é uma síndrome conceitualizada como resultado do estresse crônico do ambiente de trabalho que não foi bem gerenciado. Caracteriza-se por três dimensões:

  • Sentimentos de esgotamento ou exaustão
  • Distancia mental aumentada do trabalho do individuo, ou sentimentos de negativismo ou cinismo relacionados ao trabalho do individuo
  • Eficácia profissional reduzida

O burn-out se refere especificamente aos fenômenos no contexto laboral, e não deveria ser aplicado para descrever experiências em outras áreas da vida.”

Traduzindo em miúdos, você percebe no trabalho que está tendo um burnout quando você:

  • Tem a sensação de que o trabalho já não rende mais como rendia antes
  • Tem a sensação de que está “enxugando gelo”
  • Não aguenta mais escutar o que as outras pessoas do trabalho estão falando, principalmente quando estão falando com você e/ou quando você está falando com o seu chefe ou pessoas relacionadas
  • Acorda todo dia pensando: “De novo tenho que trabalhar nesse emprego merda”
  • Tem dificuldade em se concentrar nas coisas do trabalho
  • Reage mal a perguntas simples que te fazem no trabalho
  • Começa a pensar como seria bom se te demitissem e, às vezes, até faz planos
  • Sofre, a um ponto de chegar a sentir dor física, só pelo fato de ter que trabalhar
  • Qualquer coisa que aconteça no trabalho parece um desastre e o pensamento é: “De novo essa empresa está fazendo merda, só fazem cagada…”
Um misto de revolta e tristeza (talvez esta piada não tenha sentido traduzida para outros idiomas que não sejam o português)

É claro que uma pessoa que esteja passando pelo burnout dificilmente vai experimentar os sintomas só no ambiente de trabalho: o mais provável é que a vida dessa pessoa se veja afetada como um todo, afinal, não somos computadores rodando programas isolados como “agora eu vou rodar o programa trabalho”, “agora eu vou rodar o programa família”, “peguei o virus de discutir política no natal… Na verdade, se você descobre que alguém da sua família tem câncer, ou se você descobre uma gravidez (planejada ou não), se você está esperando receber algo que você sempre quis comprar… enfim, você não vai produzir no trabalho da mesma maneira que você produziria se não estivesse passando por essas situações.

Da mesma maneira, o individuo que passa por burnout também vai experimentar na vida pessoal a mesma sintomatologia típica de quem está passando por um episódio de grande estresse: dificuldade para dormir, dificuldade para se concentrar, diminuição do desejo sexual (sim, isso acontece), sentimentos de desesperança (às vezes, até mesmo depressão), irritabilidade constante, etc… e é por estes motivos que normalmente a pessoa procura ajuda profissional.

“Porra bicho, tá foda…”

Causas do Burnout

Como o burnout é uma síndrome diretamente relacionada ao ambiente de trabalho, as causas do burnout também estão relacionadas diretamente ao ambiente de trabalho. Claro que existem pessoas que possuem tolerância maior ao estresse, e podem demorar mais para passar por um burnout, mas isso não elimina a questão das causas.

O burnout não necessariamente vai ter origem em um ambiente de trabalho tóxico, mesmo porque essa palavra pode significar muita coisa, especialmente hoje em dia. Se você é parte do motivo pelo qual o ambiente de trabalho é tóxico, dificilmente você vai ter um burnout trabalhando nesse lugar, já que você não vai sentir os efeitos dessa “toxicidade”.

O lugar que eu trabalho é super tranquilo!

Desde 1970, quando o burnout foi descrito pela primeira vez, se pode dizer que a principal causa do burnout é o trabalho que nunca termina. O problema não é sempre ter coisas para fazer no trabalho, afinal, somos pagos para trabalhar. O problema é quando o seu trabalho não produz os resultados que deveria, e a culpa não é sua, mas todo mundo age como se fosse.

Para melhor ilustrar isso, vou dar alguns exemplos: imagine o policial que prende um bandido hoje. Chega na delegacia, é lavrado o BO e o bandido é solto. No dia seguinte, o mesmo marginal comete outro crime. O mesmo policial atende a ocorrência, leva, lavra o BO e solta. E assim vai, e não só com um bandido, são vários, mas é sempre o mesmo policial. O trabalho deste policial, nesse caso não produz os resultados que deveria, a culpa dos resultados desse policial não é dele, mas todo mundo em volta age como se fosse.

Na empresa, é como se você tivesse vinte coisas para entregar todos os dias, mas só tem tempo para entregar 14. Se você trabalhar muito e fizer horas extras todos os dias, consegue entegar 18. E o trabalho continua acumulando, e das 18 coisas que você entregou, 4 voltam para retrabalhar, ou porque você errou alguma coisa, ou porque o cliente ou alguém mais da empresa mudou o requerimento de última hora e alguém precisa trocar. Este não é um artigo sobre melhoria contínua, mas no Lean, este tipo de situação é chamado de “muri” (ou simplesmente sobrecarga).

Para profissionais de saúde, o burnout pode surgir, por exemplo, em situações onde o mesmo paciente sempre comparece às sessões, mas não faz nada do que foi combinado no tratamento: não toma a medicação, não faz os exercícios e, consequentemente, não melhora. Multiplique isso por 3, 4, 10 pacientes… Você tem um profissional que está trabalhando duro para entregar um resultado que nunca acontece, e novamente pode ser visto como o culpado.

Matar um leão por dia é fácil. O difícil é controlar os jumentos.

Pouco a pouco, o indivíduo que passa por essas situações acaba perdendo a sensação de pertencimento àquela organização ou àquele ambiente de trabalho. Com isso, vêm as frustrações, o estresse contínuo e a desesperança aprendida, que é o que acontece quando nada do que você faz parece surtir efeito para te tirar de uma situação ruim. Todo esse estresse começa a vencer a barreira do trabalho e aparecer na vida pessoa, com todos os sintomas que eu já falei lá em cima.

Quer dizer que todo mundo que passa por isso vai ter um burnout? Não, mas pode ficar tranquilo que a maioria vai. Se você acha que isso nunca vai acontecer com você porque você é especial e mais forte do que a maioria, continue lendo o texto.

Prevenindo o burnout

A melhor forma de você prevenir o burnout é abandonando seu emprego merda prestar atenção ao seu ambiente laboral e à forma como sua demanda de trabalho chega e como você atende. A cultura muda: as músicas ouvidas 5 anos atrás já não são as mesmas ouvidas hoje. A mesma coisa acontece com a cultura organizacional. Se você acha que já não se encaixa nesses novos padrões culturais, provavelmente você está certo. E o melhor a fazer, nesse caso, é procurar outro emprego. Ficar reclamando de como as coisas eram boas antes não vai ajudar: ao contrário, só vai aumentar o sentimento de não-pertencimento e acelerar o processo de burnout.

Porém, existem muitas formas para aumentar a tolerância ao estresse. E muitas vezes, essas formas de prevenção são erroneamente apresentadas como formas de prevenir o burnout. É claro que uma pessoa que tem uma tolerância maior ao estresse vai demorar mais para sofrer um burnout. Várias dessas técnicas podem ser usadas enquanto você procura outra opção de trabalho. E, na boa, essas técnicas realmente melhoram sua saúde física e mental, independente de você estar perto de (ou passando por) um burnout. Mas o mais importante é ter claro que a culpa do burnout não é sua, como vários influencers fazem parecer nesses posts que a gente encontra por aí no LinkedIn ou com palestrantes motivacionais que vão em empresas pagos para falar sobre saúde mental.

“Sou um coach famoso, rico, que li uns livros ruins de auto-ajuda, não sei nada de psicologia e estou aqui pra falar que a culpa de você ter um burnout é sua por não ter pintado um quadro ou não ter feito ioga.”

Enfim, algumas sugestões para prevenir (e também enfrentar) o burnout:

  • Faça atividades físicas: além de aumentar a capacidade cardiorespiratória e muscular, existem várias evidências que a atividade física também melhora a saúde mental. Você não precisa ficar endividado para pagar a academia mais cara da cidade. Você pode ir na academia do seu bairro, pode fazer alguma arte marcial, ou ainda caminhar ou correr na rua, que é de graça. Você também não precisa correr uma maratona, ou ficar três horas malhando. Comece com cinco minutos por dia, mas comece.
  • Tenha um hobby: De novo, você não precisa gastar fortunas em coleções de brinquedos dos anos 50. Mas reserve um tempo para você, como a atividade física que eu falei aqui em cima. Estude, tenha plantas, tenha animais de estimação, passe tempo com a família, saia com os amigos. Assim como você têm reuniões regulares no trabalho, tenha reuniões regulares na vida pessoal, onde você vai se conectar com você mesmo, com quem e com o que gosta.
  • Aprenda a dizer não: Esse é para o trabalho. Se alguma solicitação que chega para você não faz o menor sentido, recuse. Não receba defeito, não produza defeito. A defesa de direitos pessoais é algo que se aprende na terapia, e o seu tempo é tão importante quanto o das outras pessoas. Se elas não têm tempo para preparar uma solicitação decente, você também não precisa ter tempo para tentar decifrar o que aquele pedido porcaria quer dizer.
  • Monte seu calendário: Outra dica para o trabalho. Uma vez, um sábio me disse: “Se você não montar seu calendário, outras pessoas vão fazer isso por você”. Bloqueie rotinas importantes que você tem que fazer todo dia, bloqueie seu horário de almoço se for preciso. Não aceite mais de uma reunião ao mesmo tempo, e respeite o seu calendário. Deixe disponível para reuniões só o tempo que realmente você pode atender reuniões. Não se comprometa com prazos irreais.
  • Trate exceções como exceções: Muitas vezes isso é interpretado como a lei do menor esforço. Você é pago para trabalhar x horas por dia. Trabalhe essas x horas, feche o computador e vá fazer outra coisa. Se as atividades do seu dia não cabem no seu horário de trabalho, volte aos itens “Aprenda a dizer não” e “Monte seu calendário”. Não cheque emails fora do horário de trabalho. É claro que existem situações em que um cliente extremamente estratégico precisa de um prazo apertado. Essa é uma exceção. Também existem situações em que você precisa ficar atento ao telefone porque algum funcionário precisa de ajuda. Essa é uma exceção. Exceções são tratadas assim: você faz o que precisa ser feito, depois monta um plano para nunca mais passar por aquilo.
  • Faça terapia: Sim, terapia não é coisa de gente fraca, assim como o burnout. Psicoterapia é igual dentista: todos deveriam ir pelo menos duas vezes por ano, mas a verdade é que a maioria das pessoas só vai quando dói. Na terapia, você vê essas técnicas e muitas outras, que vão servir não só para o manejo do estresse, mas para muitos outros aspectos da vida.
Eu não vou atender a essa solicitação mal feita. Quer que fique pronto logo? Peça direito.

Eu quero saber de você, o que achou desse conteúdo? Muito longo? Muito necessário? A opinião do seu coach é melhor? Conta aí. E se quiser agendar sua sessão, me manda um email para luisborin@luisborin.org. Eu atendo fora do horário comercial em inglês, português e espanhol.

Referências

Fontes, F. F. (2020). Herbert J. Freudenberger and the making of burnout as a psychopathological syndrome. Memorandum. Acesso em 19 de dezembro de 2023, disponível em https://periodicos.ufmg.br/index.php/memorandum/article/view/19144/20331

Queiroz, J. F., Rocha, C. A., Capelario, E. d., Silveira, R. E., & Santos, Á. d. (22 de outubro de 2023). Prevalência da Síndrome de Burnout no Brasil entre 2012 e 2022: um estudo transversal. Revista Amazônia Science & Health, Vol. 11(Nº 4), pp. 31-40. doi:10.18606/2318-1419/amazonia.sci.health.v11n4p31-40

Tarantino, M. (28 de janeiro de 2022). Síndrome de burnout entra para CID-11 como doença ocupacional. Acesso em 13 de dezembro de 2023, disponível em Medscape: https://portugues.medscape.com/verartigo/6507393?form=fpf

 

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