Qual é a melhor abordagem psicológica?
Se você, em algum momento da vida, já pensou em procurar um psicólogo ou psicoterapeuta, você já deve ter visto as várias abordagens psicológicas, uma dizendo que é melhor que a outra e todas falando mal da psicanálise. Além disso, existe uma briga enorme sobre qual abordagem é científica, qual é pseudocientífica… e tudo se traduz em uma briga de ego que não é boa para ninguém.
Escrever este tipo de post é sempre um tiro no pé, apesar de gerar muito engajamento por conta das discussões e comentários enfurecidos, porque entre as várias linhas da psicologia, é impossível que uma pessoa só conheça todas, e possa afirmar com propriedade e exatidão o que cada linha afirma. É por isso que eu escrevi este mini guia, com minhas observações e críticas às principais abordagens que encontramos por aí. Leia e use como bem entender. E claro, se você conhece algum profissional que trabalha com alguma linha que eu escrever aqui, e esse profissional disser que eu estou falando besteira, fique com a opinião daquele profissional porque, como eu disse, é impossível saber tudo nos detalhes, e o profissional que trabalha com isso tem uma visão muito melhor que a minha.

Este post não cita nenhuma bibliografia sobre as abordagens, ou seja, é baseado em opinião. A ideia não é dizer que esta abordagem é melhor que aquela: pelo contrário, a proposta é trazer o racional e as ideias principais por trás de cada abordagem psicológica e deixar que o leitor escolha a melhor abordagem para ele.
O que é pseudociência?
Para definir o que é pseudociência, primeiro é importante definir o que é ciência, ou melhor… o que pode ser considerado científico: para determinado tema ser considerado científico, esse tema tem que ter passado por alguma metodologia científica. Popper, por exemplo, trabalhou com a ideia de falseabilidade: uma vez que a hipótese é formulada, ela deve ser testada e comprovada. Não vou entrar em todo o trabalho que é testar uma hipótese, testar sua negação, o grau de confiabilidade dos estudos, revisão de pares, conflitos de interesses… mas a ideia é: se existe uma hipótese, essa hipótese deve ser comprovada.
Nem tudo o que trabalhamos é científico, e não tem problema nenhum nisso. A humanidade se guiou pela religião e pela filosofia pura por milênios, e está tudo bem. O bonito da fé é que a fé não exige provas, não exige contestações. E essa fé ajuda milhares de pessoas (se não milhões) todos os dias a enfrentar as dificuldades e infortúnios do mundo. Por favor não venham com o discurso de “A filosofia é a mãe de todas as ciências”, porque o ponto aqui não é desmerecer a filosofia (filosofe sobre isso se quiser).

Uma vez tendo esclarecido o que pode ser considerado científico, e que não tem problema nenhum determinada linha de estudos não ser científica, voltemos à pergunta: o que é pseudociência? Pseudociência é o que acontece quando pegamos um discurso científico, nossas crenças, um pouco de achismo, um pouco de teorias que foram completamente inventadas, algumas palavras confusas que talvez nem existam, batemos tudo no liquidificador e criamos uma nova teoria. A pseudociência surge para tentar dar um ar científico a uma crença, apropriando-se de terminologias científicas para inserir, pouco a pouco, algum paradigma religioso ou esotérico. Se você trabalha com alguma abordagem que não tem evidencias científicas que sustentem a base teórica, ou a eficácia em tratamentos, apenas seja honesto com seu cliente. Se você mente por medo de perder clientela, o problema é você.
Um bom exemplo disso são as terapias quânticas. Note que é utilizado um campo de conhecimento que não é do público geral (a mecânica quântica, ou “física quântica” – sic), que estuda o comportamento de partículas atômicas e subatômicas e, a partir daí, vêm alegações extraordinárias como determinadas emoções vibram em X Hz, ou você está doente porque está vibrando em Y Hz, que é a mesma frequência de vibração do COVID… e por aí vai.

Outro exemplo clássico é o da “glândula pineal”, hoje já chamada de epífise, cuja função é produzir melatonina e regular o ciclo circadiano, ou seja, as horas que você passa dormindo ou acordado. Ocorre que, no século XVII, o matemático Renée Descartes (é difícil chamar alguém como Descartes só de “matemático”, porque ele tinha MUITAS profissões) acreditava que essa glândula era onde se localizava a alma, e a sua teoria, apesar de conter vários pontos de falha, teve certa aceitação até o século XIX, e em algum momento voltamos a ser burros passamos a voltar a acreditar nessa estupidez teoria mais do que refutada.
Como saber se algo é científico ou pseudocientífico?
Existe uma questão epistemológica com relação a este tema. Uma coisa é a validação através de estudos que mostrem a eficácia de determinada técnica. Outra coisa é a comprovação através de estudos de que a técnica funciona pela teoria apresentada.
Por exemplo, um estudo sobre 83 casos de curas envolvendo orações na Holanda sugere que a oração pode sim ajudar nesse processo, porém isso não torna a oração como algo científico, muito menos prova que Deus existe. Da mesma forma, existem vários artigos sobre a eficácia da hipnose para controle de dor, o que não configura a hipnose como algo científico, ou menos ainda, prova que a hipnose funciona por certas razões que lemos por aí: “controle de subconsciente”, “reprogramação mental”, e outras alegações extraordinárias. Você pode saber mais sobre hipnose neste outro artigo que eu escrevi há um tempo.

Da mesma forma, se pegamos como exemplo a abordagem cognitivo-comportamental, parte do arcabouço teórico tem vários experimentos que corroboram a teoria, que é o que vem de Pavlov, Watson, Skinner, etc, que explicam como certos comportamentos são perpetuados ou extintos, e como condicionamos certas respostas frente a estímulos que antes não despertavam nada (como aquela ansiedade que dá sempre que toca o telefone por estar acostumado a receber várias chamadas ruins). Porém, a teoria cognitiva de Aaron Beck e Albert Ellis, que fala sobre as crenças centrais e secundárias, sobre os esquemas, mapas internos, etc. não tem lá tanta comprovação assim (se é que tem comprovação). Porém, acredito que seja seguro dizer que a maioria dos estudos sobre eficácia terapêutica dos últimos 30 anos foi toda baseada na terapia cognitivo-comportamental. Temos muita evidência de que é uma técnica eficaz, porém parte da base teórica contém várias lacunas que não têm comprovação científica. E claro que, citando alguém que eu não sei quem é o autor dessa frase: “A ausência da evidência não é a evidência da ausência.”.
Ok, mas fale das abordagens
Não vou falar de terapias quânticas, constelações familiares, theta healing, magnetismo, reiki, nova medicina germânica (que de nova e medicina não tem nada), florais de Bach, programação neurolinguística (PNL), tarot, biofeedback, neurofeedback, neurometria, etc., porque estas não são abordagens da psicologia tal qual. Mas se você tiver alguma dúvida, pode me escrever ou comentar aí embaixo.
Vamos ao que interessa, lembrando que eu sigo a linha cognitivo-comportamental, e se você conhece um profissional que segue alguma outra linha e ele disser que eu escrevi besteira, muito provavelmente esse profissional tenha razão. Aqui, eu listo apenas algumas das abordagens mais comuns hoje em dia, então, se você se interessa por alguma que não está listada, me avisa que eu te explico.

- Psicanálise: Esta é, sem dúvidas, a abordagem mais famosa da psicologia, sendo até mais antiga que a psicologia em vários países. Sendo Sigmund Freud o principal nome e criador, e depois sua filha Anna Freud, seus discípulos Carl Jung e Jacques Lacan, a psicanálise vai focar, principalmente nos eventos da primeira infância, a libido, e a divisão da mente em ego, superego e id, ou sobre outra faceta, o consciente, inconsciente e pré-consciente (que não são a mesma coisa que a divisão anterior), as punções de vida e de morte, e o eterno conflito entre essas partes da mente e a pressão para viver em sociedade. Utiliza, principalmente, a livre-associação e a catarse como métodos de intervenção. Recentemente, esta abordagem tem sido muito criticada e atacada por “não ser científica”, muitas vezes por pessoas que não tem a menor ideia do que significa ser científico ou não. Existem sim, vários estudos sobre a eficácia da psicanálise em tratamentos para a depressão e para pacientes na terceira idade, como terapia de revisão de vida.
- Humanismo: Como diz meu professor Alberto Dell’Isola, “o humanismo é aquele cara legal, bonzinho que ninguém tem coragem de falar mal”. Enquanto Freud, médico, ousou dizer que alguns problemas não tinham origem orgânica, mas sim, psicológica, os humanistas como Abraham Maslow e Carl Rogers mudaram a forma de encarar esses problemas e focaram a abordagem nas pessoas e na reconexão delas consigo mesmas. As abordagens humanistas utilizam, principalmente, a maiêutica socrática, que é uma forma de questionamento fazendo com que a pessoa chegue à sua própria conclusão sobre seu problema ou sobre a solução. Existem algumas vertentes principais dentro do humanismo, como a Gestalt, que sinceramente, eu não sei como são as intervenções, e a abordagem centrada na pessoa, proposta por Carl Rogers, onde o cliente (Rogers preferia o termo cliente em vez de paciente) é dono dos recursos necessários para a mudança, e o terapeuta é só um facilitador que ajuda esse cliente a conseguir acessar seus recursos fazendo as perguntas corretas e levando à introspecção.
- Behaviorismo (ou análise do comportamento, ou conductismo): Nesta abordagem, cujos principais nomes são Watson, Skinner e Pavlov, tudo é visto como um comportamento, como uma resposta a um estímulo. Essa resposta eventualmente foi aprendida e condicionada por várias repetições (condicionamento clássico), ou foi reforçada pelas consequências desejadas (condicionamento operante). Relatórios de auto-observação são muito comuns, para identificar quais são os gatilhos para os comportamentos indesejados, assim como os treinamentos nos novos comportamentos para substituir os antigos. Como o processo de mudança é ativo, não são raras as tarefas para casa. A ABA (Análise do comportamento aplicada), ciência muito usada em casos de transtorno do espectro autista, está nesta categoria.
- Cognitivo-comportamental: Combina elementos do behaviorismo e da psicologia cognitiva, sendo seus principais nomes Albert Ellis e Aaron Beck. Enquanto o behaviorismo trata o pensamento como um comportamento oculto, este enfoque vai trazer mais atenção a este aspecto, trabalhando as distorsões cognitivas, o sistema de crenças do indivíduo, os esquemas cognitivos, etc., em conjunto com os comportamentos. Mais importante: neste enfoque, existe um loop em que os comportamentos influenciam os pensamentos e vice-versa. Assim como no behaviorismo, existem muitos relatórios de auto-observação (aqui também se pede para anotar as respostas cognitivas e emocionais) e tarefas para casa estão presentes nesta abordagem. Também é muito comum o estabelecimento de objetivos terapêuticos e focar as intervenções nesses objetivos para maximizar a eficácia da intervenção terapêutica.

Estas não são as únicas abordagens terapêuticas na psicologia, existem várias outras que são igualmente sérias com ótimos profissionais, que vão te ajudar.
Mas… qual é a melhor abordagem terapêutica?
É claro que é a cognitivo-comportamental. Se você perguntar para qualquer profissional, a melhor abordagem vai ser a dele. Porém temos alguns estudos, por exemplo, sobre a eficácia de certas abordagens terapêuticas para determinados transtornos. É fato que a ABA é melhor em intervenções relacionadas ao autismo, assim como o behaviorismo e a TCC são melhores opções para o tratamento de ansiedade e depressão, ou a TCC para transtornos da conduta alimentar. Porém, nem tudo são diagnósticos. Uma pessoa poderia estar passando por uma crise existencial de meia idade, ou atravessando um luto complicado. Apesar de a TCC ter técnicas para esses casos, creo que uma abordagem humanista centrada na pessoa ou mesmo a psicanálise poderiam surtir excelentes resultados nestes casos.
Também convém mencionar que na psicoterapia existem dois fatores que são cruciais para o sucesso: a expectativa e a aliança terapêutica. A expectativa tem a ver com o que a pessoa espera da terapia. Se uma pessoa entra na psicoterapia com a expectativa de que as coisas vão dar errado, esta será uma profecia auto-realizada: se não há expectativa de sucesso, não há comprometimento com as tarefas, não há engajamento, não há o grau de aprofundamento no processo necessario para que as mudanças aconteçam. A segunda tem a ver com o quanto você e seu terapeuta se entendem, quer dizer, o quanto a mensagem do seu terapeuta se conecta com você, e o quanto o seu terapeuta te entende quando você fala. Isso não quer dizer que o terapeuta tem que ser seu amigo, mas que existe um objetivo comum de obter o máximo de proveito das sessões e promover a mudança desejada.

Concluindo, se o seu caso for um dos que eu citei dois parágrafos acima, fique com as sugestões que eu mencionei. Do contrário, procure uma metodologia que esteja mais alinhada com o que você acredita (essas que eu mencionei não são as únicas, você pode perguntar caso tenha dúvidas – para mim, ou para o profissional, já que as pessoas adoram falar sobre o que elas fazem) e, mais importante, procure um profissional com quem você se identifica, seja com relação a gênero, orientação sexual, religião, visão política, time de futebol, etc, já que esses detalhes, ainda que não tenham a menor relevância na prática terapêutica, ajudam muito a formar uma boa aliança terapêutica.
E você? Já pensou em fazer terapia, mas não tem idéia de como começar? Começa me mandando uma mensagem no WhatsApp ou um email para luisborin@luisborin.org.
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