Muito pior que simplesmente não gostar de multidões
O convívio em sociedade foi crucial para nossa sobrevivência e evolução como espécie, através da distribuição das tarefas necessárias para a manutenção da saúde e da higiene, que nos permitiram liberar tempo para que oturas pessoas pudessem se dedicar a pesquisas em áreas como a saúde e desenvolvimento de novas tecnologias. Não, você não planta sua própria comida, não tem capacidade para desenvolver ou fabricar o seu telefone, nem para forjar seus talheres, ou ainda cavar sua latrina ou tratar sua água para evitar a proliferação de doenças. Menos ainda, sozinho, muito provavelmente você seria incapaz de aprender como corrigir o pH do solo para torná-lo adequado para o plantio, aprender o tempo de crescimento das plantas, montar uma casa de tijolos, ou fazer uma cirurgia de remoção de apêndice caso fosse necessário. Tudo isso em menos de 100 anos, porque a maioria de nós não vive mais que isso (na verdade, a maioria não chega nem perto).

Porém, assim como a vida em sociedade proporcionou esses avanços, também proporcionou a proliferação dos vagabundos: pessoas que não produzem nada para o grupo e, além de não produzirem, ainda tomam a força de quem produziu. E, como se isso não fosse suficiente, não só tomam a produção, mas também causam dano a quem produz, e esse dano pode ser físico, psicológico, ou até mesmo contra a vida. Por essa razão, evoluímos para viver em sociedade, assim como evoluímos para ter aversão a locais com um número absurdo de pessoas.
Além disso, outras pessoas têm medo de passar por algum infortúnio como um ataque de pânico, desmaiar, passar mal… e ninguém estar lá para ajudar, ou pior, além de passar pelo infortúnio, ainda ser alvo de deboche. As causas disso podem ser várias, desde uma distorção cognitiva, até um trauma causado por uma experiência prévia. O fato é: a grande maioria das pessoas enfrenta, todos os dias, grandes aglomerações e, ainda que seja desconfortável passar por esse tipo de situação, a grande maioria das pessoas não tem um grande sofrimento ao pensar que terá que estar no meio de uma multidão. E está tudo bem.

Mas então, qual o propósito desse texto?
Primeiro, o propósito desse texto não é falar sobre a maldade humana e os contextos em que ela surge, mesmo porque este é um debate que pertence mais ao campo da filosofia que da psicologia. O propósito é falar, principalmente, com você, que simplesmente não consegue entrar em um lugar com muitas pessoas. “Ah, mas é só não ir, Amazon, Uber, etc. estão aí para isso…” Sim, estão. Porém, como eu já disse anteriormente, a cada dia que você deixa de fazer algo porque se sente ansioso, a ansiedade se torna mais forte quando você tem que enfrentar aquela situação.
Existe um fenômeno descrito pelo behaviorismo (ou conductismo), que é a generalização: uma resposta para um estímulo pode ser a resposta para estímulos parecidos. Basicamente, aquela resposta ansiosa que você tinha para ir em um show com 40 mil pessoas de repente pode passar a ser a mesma resposta que você vai ter quando for em uma casa de shows, ou na missa, na fila do banco, ou mesmo em uma sala com 3 ou 4 desconhecidos.

É importante ressaltar que não é porque você não gosta de lugares lotados que você necessariamente tem um problema. O ponto principal, em qualquer fobia, é a disfuncionalidade: a partir do momento que estar em um lugar lotado causa sofrimento extremo, ou ainda, a partir do momento em que você passa a deixar de fazer coisas, não porque você não gosta de lugares fechados, mas porque você tem medo de ter um ataque de pânico, de não ter como fugir se alguma coisa acontece, e que as pessoas te julguem por conta de um possível ataque que você nem sabe se vai acontecer, aí, estamos falando de uma fobia, mais especificamente, da agorafobia.
O que é a agorafobia?
O nome agorafobia vem do grego, e significa algo como medo de mercados. Porém o que o DSM nos diz é que a pessoa tem medo ou ansiedade acentuados em, pelo menos, duas destas situações:
- Medo de dusar transporte público
- Medo de estar em lugares abertos (estacionamentos, mercados, pontes)
- Medo de estar em lugares fechados (shoppings, cinemas, teatros)
- Ficar em uma fila ou estar em uma multidão
- Estar sozinho fora de casa
Além disso, o medo é justificado, não pelo contexto de violência do lugar, mas pela possibilidade de a pessoa sofrer um ataque de pânico, desmaiar, e, como eu mencionei no início do texto, não ter ninguém para ajudar. Esse medo também pode ser justiicado pelo medo de que algo ruim aconteça, e seja impossível, ou muito difícil de fugir dali, ou também de conseguir ajuda.

Para los agorafóbicos, essas situações sempre (ou quase sempre) causam medo ou ansiedade e, por cona disso, elas são ativamente evitadas, mas… se não puder evitar, a pessoa vai enfrentar essas situações ou com alguém, ou com medo e/ou ansiedade muito intensos. E não estou falando de não gostar de ir a lugares assim sozinho, estou falando de um sofrimento intenso e desproporcional à ameaça percebida pela maioria das pessoas. Quer dizer… é diferente uma pessoa ser colocada no coliseu para lutar até a morte, de uma pessoa indo num mercado lotado no fim do ano.
O DSM também fala que os sintomas têm que persistir por, pelo menos, seis meses ou mais. Porém, você não precisa ficar sofrendo por seis meses para procurar ajuda. Se tem algo te incomodando, procure um bom profissional agora.
Outra coisa que é importante ressaltar é que não é difícil encontrar este transtorno em comorbidade com o transtorno de pânico, que são crises de ansiedade que surgem “do nada” e também causam muito sofrimento para a pessoa que passa por isso. O que acontece é que, depois de um ataque de pânico, a pessoa fica com muito medo e vergonha de sair e ter outro ataque e, como eu falei lá em cima, ser alvo de deboche ou ninguém parar para ajudar.
Mas tem solução?
Sim, tem solução.
Tipicamente, o tratamento, assim como em outros transtornos de ansiedade é composto pelo que o professor Alberto Dell’Isola chama de tripé terapêutico, e esse tripé é composto de psicoeducação, dessensiblização e reframing, ou ressignificação.

A psicoeducação já começa quando você está lendo este texto, que é, basicamente, entender o que é o transtorno, como ele se enquadra, suas causas e tratamentos. A dessensibilização é o processo de exposições sucessivas à situação que causa estresse, ou seja, pouco a pouco, a pessoa é colocada em situações que causam estresse, depois de aprender como funcionam os mecanismos de manejo da ansiedade. E finalmente, o reframing consiste em ressignificar a situação traumática, seja através de uma nova perspectiva dos fatos, seja através do treinamento em estratégias de resposta para aquela situação.
Existe também a farmacoterapia, através do uso de ansiolíticos, prescritos por um psiquiatra, mas essa medicação normalmente contém uma série de efeitos colaterais e contra-indicações e, no futuro, o desmame deve ser acompanhado. Idealmente, a medicação deve ser prescrita apenas em último caso.
Concluindo…
A agorafobia é um transtorno que causa muito sofrimento ao paciente pela ideia de que algo ruim pode acontecer e a pessoa pode não conseguir ajuda ou não conseguir fugir. O fato de que o critério diagnóstico pede sofrimento por pelo menos seis meses não significa que você precisa esperar seis meses para buscar ou conseguir ajuda. O normal é que as pessoas saiam de casa, e não que fiquem trancadas por medo de algo que elas nem sabem se vai acontecer ou não.
Procure sempre um profissional de confiança. Não conhece nenhum? Confie em mim e me escreve por WhatsApp ou pelo email luisborin@luisborin.org.
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